Como jogar Tava

Antecedência histórica

Revoluteando a três metros do chão, ao ser lançada em direção à raia pela mão do atirador, a tava desenha, simbolicamente, toda uma longa trajetória pelo tempo e pelo espaço - a começar pelo menos há três séculos a.C., na Ásia, para chegar, onde a encontramos hoje, nas canchas de céu aberto da América do Sul.

O jogo do osso tem origem asiática. Árabes e persas já o praticavam, segundo referências da bibliografia. A própria palavra "taba", ou "tava", teria sua raiz etimológica no vocábulo hebreu "ka-ba". "Lab-el-kab" era denominado o jogo nos aduares árabes.
Contudo, a bibliografia é unânime em afirmar que o povo que mais o praticava era o grego. O jogo chamado "astrágalo" era até citado em referências mitológicas, como quando Patroclo, ainda menino, teria abatido por questões de um desafio em um jogo de osso, o amigo Anfidamonte.

Chegou o jogo até a Espanha pelas mãos dos legionários romanos, que o jogavam nos recintos de quartéis e acampamentos, durante o período de dominação sob o império de Augusto.

Chegou o jogo à bacia do Prata pelas mãos espanholas, já com referências bibliográficas pelo ano de 1620.
Numa prova quase irrecusável de sua procedência platina, seja pelo nordeste Argentino, seja pelas fronteiras cisplatinas com o Uruguay, atente-se para o fato de conservar o jogo do osso até hoje, no Rio Grande do Sul, termos da língua espanhola em sua terminologia própria, tais sejam, entre outros, "userte", "culo", "clavada" e "güeso".

Ademais, a história gaúcha, especialmente na linha mais ou menos profunda da fronteira, do Chuí ao Alto-Uruguay, confunde-se, em seu início, com a história platina, especialmente até a conquista dos Sete Povos, em 1801. Os costumes, nessa larga faixa territorial - uma espécie de primitiva terra de ninguém em permanente contestação de posse e domínio entre Espanha e Portugal - eram praticamente idênticos. 
Milicianos e aventureiros, mestiços e gaudérios, não conheciam outras fronteiras senão aquelas onde abundavam o boi e o cavalo. Eram comuns aos homens de uma e outra bandeira - e aqueles de bandeira nenhuma, senão o da aventura e da ambição pessoal de riquezas - o churrasco (um naco de carne sobre as brasas), o chimarrão, a maneira de amansar os potros selvagens, o estilo de montar, o abate do boi para extração do couro e da graxa.
Natural, portanto, que nessa identidade ampla de usos e costumes, os jogos de recreio como a cancha-reta e a tava pouco ou nada diferissem de uma região para outra.

Do jogo

1. A tava

Instrumento com que se pratica o jogo do osso -, também chamada "taba", "osso" ou "garrão", provém do astrálago, osso do jarrete do animal vacum. A norma, para conseguimento de uma boa tava é, logo após sua extração do jarrete do animal abatido, enterrá-la por cerca de dois a três meses em terreno nem muito seco, nem muito úmido - processo a que se chama "curar o osso". É comum, igualmente, colocar o astralago na boca de um formigueiro de campo, ensejando um processo de inteira limpeza por parte das formigas.


2. Posições da tava no solo

Após o arremesso a tava pode estabilizar-se em pelo menos poito posições, cada uma delas com seu nome:


SUERTE - parte ganhadora para o alto, ou para cima.


Culo - parte ganhadora para baixo.


CULO CLAVADO - idem ao anterior, mas exposta a face perdedora.


SUERTE DECLINADA - tava estabilizada quase na vertical, com face ganhadora exposta.

CULO DE ESPELHO - idem ao anterior, mas com face perdedora exposta.

Estas posições - a declinada e de espelho - provaram acirradas discussões entre os apostadores, a partir da dúvida de que o arremesso tenha validade ou não. Para dirimir a questão, o coimeiro coloca uma segunda tava exatamente na vertical, ao lado da tava declinada. Conforme o ângulo resultante, surge a decisão. Se no ângulo não couber uma ficha inteira o tiro é considerado neutro ou güeso - não perde nem ganha.

GUESO - posição que não é nem "suerte" nem "culo", com qualquer dos lados não ferrados para cima.


"31" OU "TOURO" - variação do güeso com a tava exatamente na vertical.


3. Espécies de arremessos


Os arremessos exigem manejo especial da tava, com posições de saída e métodos de lançamentos quase inflexíveis. Todo bom jogador precisa conhecer os vários métodos, que podem ser volta-e-meia (tava dá uma volta e meia no ar), duas-e-meiaduas voltastrês voltas e o carreteiro (lançamento da tava sem manejo especial, nem preocupação com número de voltas ou giros - dá se esta denominação por lembrar a sua anti-técnica o ato de lançarem os carreteiros um osso de fervido, ou costela já pelada da carne, ao guaipeca que normalmente acompanham-os nas carretadas pelo pago).


4. Coimeiro

Pessoa encarregada pelo movimento. É quem vende e troca as fichas, o que cobra a "coima", percentagem fixa sobre as paradas pagas. É a versão acrioulada do "croupier" internacional dos cassinos.

5. Dinâmica do jogo

Não há regras escritas par ao jogo do osso, mas existem normas gerais a serem respeitadas através da tradição oral.

  1. O jogo começa quando o coimeiro "grita banca", já com a cancha preparada, o par de tavas e as fichas à sua frente. Geralmente é quem estipula o valor das primeiras paradas: "Duzentos mil réis é a banca! Quem se habilita?"
  2. Apresenta-se um aficíonado que compra as fichas, escolhe a tava de sua preferência e encaminha-se para uma cabeceira. Apresentando-se o oponente que compra fichas e depositam na mão do coimeiro o valor da parada que anuncia "Está copada a parada! Vale jogo!"
  3. Atira o que levantou a primeira tava. Imediatamente, da outra cabeceira, o oponente. Teve início o jogo.
    O coimeiro só paga a parada para o jogador que somar dois lances positivos:

    • duas "suertes" do mesmo jogador, contra nenhuma do oponente
    • uma "suerte" somada a um "culo" do oponente
    • dois "culos" do oponente contra dois "güesos" do favorecido.

    Acontecendo "suerte" contra "suerte", "culo" contra "culo", ocorre empate que é chamado de "senão". Não é raro a parada decidir-se depois de vários tiros, pela ocorrência de "senões" seguidos.

  4. Os atiradores só ganham a parada quando favorecidos por dois lances, mas no "jogo de fora", a questão se decide a cada lance. Joga-se de fora (do jogo, da cancha) a favor ou contra o tiro de quem arremessa. 

  5. Ao pagar a parada ao atirador vencedor, o coimeiro já desconta a coima (comissão).

  6. Quando um dos atiradores desiste do jogo, deixando a tava na cabeceira, qualquer assistente pode "copar a parada", "apertando a tava", que é o tão de colocar o pé em cima, ao mesmo que anuncia: "Copei a parada!".

  7. Quando um dos jogadores, durante o jogo, resolve trocar de tava, o coimeiro anuncia "Cambiou de tava".

  8. Desviada a tava de seu curso por qualquer acidente natural, seja uma pedra próxima, uma raiz, galho seco, o tiro não perde validade. São casos que acontecem com alguma freqüência nos tiros de "carreteiro", quando a tava rola sem direção determinada. 



6. Trampas

Significa má fé, engodo, artifícios para favorecer uma das parte ou, o mais usual, o próprio coimeiro. Entre as antigas formas citam-se:

  1. CARGAR A TAVA - colocar uma esfera de chumbo ou de ferro no interior do osso que tendia a estabilizar-se no terreno em posição, quase sempre, de "suerte" ou somente de "culo".

  2. BARRO - Colocar sob o "barro", a cerca de meio palmo de profundidade, um pelego com lã para cima, com o que, segundo os aficcionados, era quase impossível conseguir-se uma "suerte" clavada. O pelego enterrado conferia ao "barro" certa elasticidade, fazendo a tava saltar bem mais que o normal.

7. Expressões


  • Alarula, tia Carula, china e ficha não se adula!
    Dito por quem recolhe as fichas, por haver apostado no tiro que deu "suerte". Há conotação machista no refrão

  • Arranca pelo rabo (ou pela cola)!
    Expressão usada por quem colocou uma "suerte clavada". Clavada, a tava fica com a cola ou o rabo para cima.

  • Cospe no buraco
    Crença de que cuspindo-se na tava do contrário o azar o perseguirá.

  • É macho, alumiou pra baixo!
    Expressão usada por quem jogou contra o tiro e a tava se estabiliza na posição perdedora de "culo". O "alumiou para baixo" quer significar que a face mais brilhante da tava (a da "suerte", recoberta de bronze) ficou chapada contra o terreno.

  • É macho, disse a parteira
    Emprego idêntico a de cima; "é macho" que não dá cria (no dinheiro apostado)

  • Jogador não tem vergonha"
    Expressão usada no momento em que os ganhadores levantam do chão as fichas ou o dinheiro apostado na parada - jogador não tem vergonha por entregar-se ao vício do jogo.

  • Louca também se casa!
    Saudação a um lançamento mal feito, especialmente o "carreteiro", que resulte numa "suerte".

  • Mão fria não bota suerte!
    É preciso aquentar o corpo e as mãos para lançar-se a tava com habilidade.

  • Não é só butiá que dá em cacho!
    Quando um atirador repete várias "suertes"

Jogo do Osso (trecho de Contos Gauchescos de J. Simões Lopes Neto


Escolhe-se um chão parelho, nem duro, que faz saltar; nem mole, que acama; nem areento, que enterra o osso.
É sobre o firme macio, que convém.
A cancha com uma braça de largura, chega, e três de comprimento; no meio bota-se uma raia de piola (cordão, barbante), amarrada em duas estaquinhas ou mesmo um risco no chão, serve; de cada cabeça da cancha é que o jogador atira, sobre a raia do centro: este atira daqui para lá, o outro atira de lá pra cá.

O osso é chamado de taba (ou tava), que é o osso do garrão de rês vacum. O jogo é só de culo ou suerte.
Culo é quando a taba (o osso) cai com o lado arredondado pra baixo; quem atira assim perde logo a parada. Suerte é quando o lado chato fica embaixo: ganha logo e sempre.
Quer dizer: quem atira culo perde, se é suerte ganha e logo arrasta a parada.
Ao lado da raia do meio fica o coimeiro que é o sujeito depositário da parada e que a entrega logo ao ganhador. O coimeiro também é quem tira o baralho - para o pulpeiro (dono da pulperia, taberna ou botequim). Quase sempre é algum aldragante (vagabundo) velho e sem-vergonha, dizedor de graças.


Créditos totais a postagem para Página do Gaúcho


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